Observando profissionais de outros ofícios notei algo comum que os faziam melhores em suas execuções, por mais que já trabalhassem em um determinado segmento não deixavam de conhecer cada detalhe e técnicas do que faziam, independente de seu setor de ofício.
Essa busca por aperfeiçoamento ocorre não pela profissão, mas pela quase obsessão de ser o melhor naquilo que fazem, conheci um vidraceiro que dominava cada componente do vidro e seu estado de temperatura, seu conhecimento de termodinâmica superava muitos físicos que encontrei, outra vez conheci um padeiro cuja técnica de fermentação havia chegado a um nível de perfeição que seu conhecimento em nada devia para muitos químicos e biólogos. Isso prova que para executar seu ofício muitas vezes se faz necessário ter muito conhecimento em outra área para executar a sua função com máximo domínio.
Observei o mesmo comportamento em vários outros profissionais de setores diversos, algo válido também para quem trabalha com crédito, conhecer a fundo o que estão analisando, novas técnicas e outros produtos de crédito que não sejam o de sua atuação tem uma grande relevância, bem como conhecer a atuação da concorrência, essa curiosidade contribui para o crescimento. Outra forma de ampliar esse domínio é experimentar o processo de cada produto de crédito para entender mais afundo como isso funciona, aliás conheci muita gente que trabalha com crédito que não tem a menor curiosidade de saber mais.
Tive a oportunidade de trabalhar com múltiplos produtos de crédito, por isso compartilho um pouco de como funciona o Financiamento de Imóveis, um produto bem diferente dos demais, não está ligado diretamente ao fomento de consumo, por exemplo: Cartão de Crédito e Crédito pessoal são créditos destinados ao consumo de bens e serviços como; compras, estética, saúde etc…
Quando falamos de financiamento o montante tem uma finalidade específica, é destinado ao bem móvel ou imóvel, diferente do crédito de consumo que é destinado a qualquer fim com um risco maior. Por envolver o financiamento de um bem o mesmo é a garantia de que seu tomador honrará o compromisso firmado, em caso de quebra de compromisso o bem irá para a instituição que concedeu o financiamento.
Por isso diferenciamos o crédito em 2 tipos, crédito com garantia onde há alguma garantia adicional de que o tomador honrará seus pagamentos, como exemplo de garantia podemos citar:
- Seguros (em caso de inadimplência a seguradora garante o pagamento).
- Investimentos (valores investidos garantem que o tomador se necessitar pode recorrer a essas fontes para honrar seus compromissos).
- Avalista (aqui se envolve um terceiro que garantirá o pagamento em caso de inadimplência).
- Imóveis, máquinas, terrenos, automóveis e recebíveis futuros (podem ser usados como uma garantia de pagamento).
A garantia também chamada de colateral fornece segurança para que haja liberação de crédito com taxas menores, esse é um dos muitos fatores que permitem taxas competitivas quando comparadas ao segundo tipo de crédito, o crédito sem garantia, como é o caso do cartão de crédito, pois quem concedeu não possui garantia de que o tomador honrará seu compromisso.
Isso explicado vamos ao ponto de como funciona o crédito para financiamento de imóveis.
Como funciona?
O objetivo é permitir ao tomador do crédito acesso a comprar um imóvel (casa, apartamento ou terreno) tanto para uso comercial quanto residencial, uma vez que falamos de valores expressivos os créditos liberados são em média altos e por um prazo que pode se estender por 360 meses (30 anos). Por isso seu formato de análise se difere de outro produtos de crédito.
No Brasil muitos produtos sofreram modernização no formato de análise, permitindo a contratação de um empréstimo via site ou aplicativo em segundos. Infelizmente o Financiamento Imobiliário até 2019 não sofreu modernizações em seu formato nos últimos 30 anos, por isso os processos são os mesmos há mais de décadas. Hoje a via cruxis passa por 5 grandes etapas.
Etapa 1 - Escolha do Imóvel
Esse processo depende da necessidade do cliente, pode ser um imóvel para moradia, investimento ou comercial, cada finalidade pode enquadrar o cliente em uma análise diferente para decisão de concessão.
Há um conjunto de documentos diferentes para cada perfil de cliente, Solteiro, Casado, Empresa, há um rito específico de documentos de acordo com o perfil e cada instituição pode requerer mais ou menos informações.
Escolhido o imóvel, o cliente precisa negociar o valor com o vendedor, uma vez acertada essa negociação o vendedor exigirá um valor de sinal, pode até ser simbólico como R$ 1.000,00 para travar a entrada de outras solicitações, um contrato de gaveta geralmente é firmado para que o interessado tenha prazo de seguir para outras etapas, evitando que outra pessoa ingresse com o financiamento para o mesmo imóvel.
Geralmente esse valor de sinal é incorporado na composição da negociação e dependendo do acordo pode ser devolvido pelo vendedor caso o comprador não tenha seu pedido de crédito aprovado, aqui é na base do acordo de cavalheiros não tem uma regra geral sobre esse processo.
A escolha do imóvel assim como auxilio nas negociações pode ser feita através de um corretor, se for o caso há uma remuneração por esse serviço que em média é de 6% do valor da negociação que pode ser paga pelo vendedor ou pelo comprador, depende da parte que envolveu o corretor.
Isso pode ser bom ou ruim, depende do profissionalismo do corretor envolvido, o processo pode ser negociado diretamente entre comprador e vendedor, porém vai exigir bastante empenho e o mínimo de conhecimento do processo.
Etapa 2 - Escolha da instituição e simulação de condições.
Agora que você sabe qual imóvel adequado a você e seu perfil, está na hora de procurar com quem financiar esse bem. O leque de escolhas hoje é vasto.
- Bancos (Públicos e Privados).
- Fintechs
- Cooperativas de Crédito.
Em cada um deles poderá simular quais as condições de valores, prazo, taxa e parcela que poderá conseguir, como profissional de crédito recomento escolher aquele que lhe oferece a melhor taxa, porém a grande maioria dos brasileiros optam pelo valor da parcela que podem pagar, por isso a realidade de cada um deve ser respeitada.
Lembre-se que as simulações ofertam uma perspectiva, baseada nas informações passadas pelo cliente, caso haja alguma diferença com a realidade ou alguma condição diferente os valores, taxas e prazos podem ser alterados no momento de celebrar o contrato, a grande maioria das vezes a simulação lhe dá um bom panorama do que será sua realidade.
Nessa etapa o cliente também escolhe o tipo de tabela que será usada para amortização dos juros (SAC ou PRICE) poderemos falar disso em outra oportunidade.
Uma vez escolhida a instituição vamos para a próxima etapa.
Etapa 3 - Análise do Crédito e das Informações.
A análise de concessão tem basicamente 3 grandes momentos.
- Subscrição - termo muito usado no mercado de seguros, para garantir que as mínimas informações de aceitação serão obedecidas.
- Análise do risco de crédito - como trata-se de valores elevados por longo prazo é importante garantir em qual patamar de risco o cliente se encontra, nesse momento cada instituição adota um critério máximo de risco e mínimo de renda, para garantir que o cliente tenha condições de assumir tal responsabilidade, com a capacidade de pagamento necessária para honrar seus compromissos.
- Avaliação documental - Será necessário uma minuciosa vistoria nos documentos do imóvel garantindo que todas os registros estão em ordem. Aqui há documentos que possuem prazo de validade, por isso gera bastante atrito caso a área responsável pela analise demore para fazer o trabalho, pois exigirá que o cliente re-apresente alguns documentos.
Nessa etapa o cliente informa quais as condições deseja que o processo seja feito, inclusive informará qual o valor de entrada e de onde virão os recursos, que podem ser próprios, incluindo o uso do FGTS. (para uso desse há uma série de regras que poderemos falar em outra oportunidade)
O Cliente terá de reunir todos os documentos solicitados com sua respectiva cópia para apresentar.
Desconheço alguma instituição que financie 100%, geralmente o máximo financiado é de 90%, a média das instituições financiam 70% do valor total, esse percentual em relação ao valor do bem é chamado de LTV (Loan to Value), por isso vale se atentar a isso, pois se a instituição escolhida financiar 70% do valor, você deverá dar como entrada os 30% lembrando que além disso há outros custos que você deve se preparar para absorver.
Se essas 3 etapas estiverem ok vambora pra próxima.
Etapa 4 - Avaliação do imóvel
Nessa fase a instituição agendará com o cliente a visita de um engenheiro para avaliar se o valor do imóvel condiz com o informado, geralmente o engenheiro tem conhecimento do tipo do imóvel e tamanho para a região, com isso atesta se os valores informados estão dentro do esperado. Recentemente foi permitido que essa análise possa ser realizada através de modelos matemáticos, porém nem toda seguradora se modernizou para aceitar risco através do novo formato, muitas só asseguram o bem (falaremos mais adiante) mediante ao laudo de vistoria.
Normalmente esse é um serviço a parte pago pelo cliente, se o cliente desistir esse valor geralmente não é reembolsado, caso haja divergência entre a avaliação do engenheiro e a informação original a análise de crédito bem como as condições podem ser revistas.
Etapa 5 - Registro do contrato.
Se tudo estiver ok será celebrado um contrato entre a instituição, comprador e vendedor. Nesse contrato a instituição se compromete a pagar o valor financiado à vista ao vendedor, o mesmo venderá o bem para o comprador, onde esse alienará o bem para a instituição, permitindo que a mesma tenha absoluto domínio sobre o imóvel, até que sejam honradas todas as parcelas.
Esse contrato é levado ao Cartório de Registro de imóveis, e não é qualquer cartório, o comprador deverá levar o contrato para o mesmo cartório onde o imóvel foi registrado pela primeira vez, tudo que ocorrer de atualização no registro, a chamada averbação, deve ocorrer nesse cartório.
Nessa fase há outros desembolsos o ITBI (Imposto de transmissão de Bens e Imóveis, em outra oportunidade posso compartilhar mais sobre esse imposto), que é pago pelo comprador, pode ser financiado também, algo que não recomendo. Como profissional de crédito indico que é melhor juntar a grana e fazer o pagamento do ITBI à vista, do que financiá-lo, a alíquota do ITBI muda de município para município chegando até 3%.
Outro pagamento é o serviço de registro do imóvel, nesse serviço um profissional do cartório compara todas as informações do último registro com o contrato que está sendo apresentado, algo que demora um tempo indeterminado e o valor dependendo do município também é falado na hora, isso mesmo!
O responsável do cartório diz: “O valor será mais ou menos, X mil reais” que você deve pagar em Cheque ou dinheiro, isso mesmo! Não se aceita outra forma de pagamento, o valor no final poderá ser mais ou menos, algo que só saberá alguns dias depois, quando o cartório lhe avisar o valor, se for mais você deve arcar com a diferença indicada, caso contrário o cartório não libera o documento, se o valor for menor o cartório deve lhe devolver, mas eles fazem apenas com pagamento em cheque.
Abro esse parágrafo para um desabafo, pois já passei por esse calvário: O cartório recebe apenas em dinheiro ou cheque, logo esse valor não figura em lugar algum, só ingressa no sistema bancário caso o cartório queira, esse valor circulante abre espaço para não declararem ou pagar os devidos tributos, para um cliente como eu que nunca usara uma folha de cheque na vida, são obrigados a transacionar em dinheiro o que é um baita risco. No meu caso não deram prazo de nada, disseram que eu devia ligar a partir de uma data para saber se estava pronto ou não. Outro fator que incomoda bastante é que o cartório cobra seu valor de acordo com o valor do imóvel e não com o trabalho que terá, pois se o esforço para analisar o documento de um imóvel que custa R$ 200mil contra um de R$ 500mil for exatamente o mesmo, não há um motivo justo para que o valor do serviço seja diferente dado que o trabalho será o mesmo. Como disse no início do parágrafo, é apenas um desabafo de alguém que se sente vilipendiado pela instituição chamada Cartório.
O cliente que desejar esse tipo de crédito, precisa se blindar psicologicamente para não querer matar alguém no cartório.
Quando o registro finalmente fica pronto, você leva esse contrato (gigantesco) de volta para a instituição com quem está negociando, eles ficam com uma das das vias do contrato, uma via fica com o vendedor e outra via fica contigo, a instituição paga ao vendedor e finalmente você pode iniciar os pagamentos e fazer uso do imóvel.
Em resumo conseguir crédito para financiar um imóvel é uma tarefa que exige bastante empenho, não apenas escolher uma instituição engajada mas ter a sorte de ser atendido por profissionais com vontade de fazer seu trabalho, o processo é demorado devido a não automação dos cartórios, tal processo dificilmente leva menos que 30 dias, por isso é necessário bastante preparo mental.
Tenha em mente que você deverá possuir valor para:
- Entrada de 30% do imóvel (em média).
- Pagamento do laudo de vistoria.
- ITBI até 3% do valor do imóvel.
- Pagamento do cartório que nem deus sabe quanto será exatamente.
- Reformas (muito difícil encontrará o local exatamente nas condições que você precisa).
- E se você contratou um corretor terá de pagar os 6% de comissão.
Há muito mais a falar sobre crédito imobiliário e seu funcionamento, em outros artigos compartilharei mais, pois esse já ficou beeemm maior do que eu gostaria, mas é um produto ainda muito burocrático.
Fontes: