Vimos em tempo recorde uma realidade totalmente diferente da expectativa de negócios, crescimento econômico e crédito de 2020, um vírus do outro lado do oceano causou o fechamento de negócios, temores do mercado e por consequência revisão de crescimento de nações.
O término da “Corona-Crise” é INDETERMINADO, teremos pela frente dias, semanas ou meses até o princípio do fim, podemos marcar esse princípio com o retorno das pessoas às ruas bem como a reabertura de escolas e negócios, pelo menos o que sobrar deles.
Qual o papel do crédito nesse cenário inédito?
Para facilitar o raciocínio vamos dividir o processo de crédito em duas partes.
Concessão de crédito durante a crise.
Ao buscamos crises paralelas para traçar em qual linha o crédito deve seguir vale recordar as atuações em crises passadas.
Crise dos Tigres asiáticos - 1997
Um crise financeira causada pela desvalorização cambial que progrediu para uma crise econômica que arrastou diversos países.
Crise Russa - 1998
Aqui também um crise financeira que se traduziu em contaminação em vários outros países.
Crise Cambial - 1999
Forte desvalorização do real cria um tumulto em acordos e contratos firmados em moeda estrangeira, trazendo a bancarrota bancos empresas e pessoas físicas.
Crise Subprime - 2008
Abalo no sistema imobiliário americano com elevação da inadimplência, contagiando instituições financeiras gigantescas e algumas com décadas de funcionamento, mercados sólidos implodiram em dias, no Brasil de forma indireta também sacudiu o mercado financeiro, gerando fusões e o desaparecimento de instituições.
Além das crises geradas por influência externa, há fatores políticos internos que afetam diretamente o cenário econômico, fazendo com que ao longo do tempo profissionais de crédito mudem suas estratégias orientados a resultado e ou sobrevivência do próprio crédito.
A escola clássica do risco de crédito diz que temos de preservar a coisa mais importante no tabuleiro, os recebíveis, indiscutivelmente a coisa mais importante do negócio de crédito são os valores emprestados a receber, portanto em tempos de crise a escola clássica se fecha e fica restritiva, pois pessoas em empresas terão dificuldades para honrar seus compromissos logo colocam em risco a capacidade de recebermos, por isso é comum em tempos de crise os times de crédito fecharem as portas, elevarmos as taxas como forma de restringir o acesso ao crédito ou torna-lo mais caro frente ao cenário de crise.
O ineditismo dessa crise não teve seu estopim em um problema financeiro e sim na saúde pública, o caos desse estopim culminou em estabelecimentos comerciais fechados, milhares de trabalhadores estão paralisados, a economia esfriou drasticamente, colocando em risco os pagamentos futuros, com o risco de demissões em massa, poucas empresas tem caixa que possa suportar mais de 90 dias, outras nem mesmo 1 semana, sem entrada de receita para cumprir seus pagamento incluindo folha de pagamento a decisão será corte geral, empresas menores serão varridas.
Essa possibilidade fez com que alguns dos agentes financeiros divulgassem a possibilidade de postergar os recebíveis de curto prazo (financiados) para 60 dias (tempo inicial previsto para retorno das atividade econômicas) dos clientes em dia, sem cobrança adicional de juros permitindo fôlego à pessoas físicas (não deixaram claro as regras para PJ).
Impactos: Grande parte dos sistemas não estão preparados para aceitar o processo de postergar sem inclusão de juros, vai além, muitos processos de crédito só permitem alterar caso o cliente entre em atraso (algo para outro artigo).
Outro impacto importante é a PDD, todo processo de provisão não importa de 2682 ou IFRS9 ficarão uma bagunça e na real acredito que se posicionar em 2682 será a melhor coisa.
Ao anunciar tal decisão os agentes não conseguiram absorver o volume de solicitações gerando desgaste com seus clientes, além disso diversas fontes de notícias publicaram que houve restrição e elevação nas taxas, algo que pode inflar a opinião pública contra os agentes.
Executar o manual da escola clássica, é mais fácil, tem resultado conhecido de crises passadas, é algo ortodoxo, e praticamente não se usa as milhares de simulações de stress teste com gatilhos preparados pelos times de riscos, nesse momento a ortodoxia e o conhecimento de causa falam mais alto e tem resultados conhecidos.
O estopim é inédito por isso todas as previsões são frágeis, só temos uma certeza: o tempo ruim vai passar, quando tudo isso acabar o cliente que teve uma mão amiga do crédito vai se lembrar, assim como o cliente punido pelo crédito TAMBÉM se lembrará e garanto, o cliente não perdoa.
Como fugir da estratégia ortodoxa?
Em tempos de crise se as torneiras do crédito não fecharem, os impactos com inadimplência, PDD e perdas de crédito irão a valores astronômicos, algo que coloca em risco o próprio funcionamento do crédito, já passei por situações onde a ordem era negar e paralisar a esteira do crédito, pois o nível de perdas geravam valor negativo, por isso era melhor parar de emprestar.
Como o cenário é indeterminado muitos pequenos agentes tomaram essa decisão, fechar as portas da aprovação até que a chuva passe e sinalize algum raio de sol. Pensar fora da caixa da estratégia ortodoxa pode ser mal visto por líderes de crédito experientes e até por seus pares, portanto agir fora da estratégia ortodoxa requer tato e muito apoio político, que deve vir de cima, caso não tenha apadrinhamento político nem ouse sugerir saídas fora do “by the book”
Se houver patrocínio de “cima” é uma oportunidade de aplicar estratégias desafiantes de crédito para públicos com maior risco e mesma taxa, aprovando clientes em um cenário que geralmente não se aprovaria, levando em conta o efeito “Corona-crise” selecionar um público controlado é uma oportunidade de ouro para testar políticas de crédito flexíveis.
Resumo: abrir a cabeça para aprovar clientes abaixo do padrão, em volume suficiente que permita criar acompanhamentos e que sejam estatisticamente representativos para promover alteração da política inteira.
Algo que vi fora do processo ortodoxo foi: agentes que elevaram para 100% dos clientes de cartão de crédito, 10% de seu limite, de forma voluntária em plena crise. Um baita impacto positivo para o marketing junto ao cliente, uma oportunidade de ser bem visto
Sob o aspecto de risco acredito que há oportunidade de fazer melhor, o fato de elevar em 10% todos os limite há 2 impactos ruins como:
- Elevação de capital alocado.
- Elevação do total de exposição (caso todos os cliente usem 100% do limite).
Como poderia ser?: Pré aprovar elevação de 10% do limite para 100% dos clientes, efetivado sob solicitação do cliente, com isso geraria o mesmo impacto positivo, sem ferir o volume de capital alocado e total de exposição. (É uma da formas de ser, há várias).
Concessão Pós Crise.
Recebi de várias pessoas as mesma pergunta, o processo de concessão vai alterar depois da crise? A resposta é SIM, o cenário é o seguinte, todos os estabelecimentos comerciais estão fechados e continuarão por tempo INDETERMINADO, é uma questão de tempo vermos explodir o volume de CNPJ`s com restritivos nos bureaus de crédito, se a situação não for solucionada no curto prazo logo teremos demissões em massa, elevação de desemprego reflete na pontualidade e inadimplência da PF.
O cenário geral indica que teremos alterações na pontualidade de pagamento e inadimplência, tudo isso trás reflexo no Score de propensão à inadimplência, todos as esteiras ou políticas terão de fazer revisões, quer seja para aproveitar a explosão de solicitações de crédito ou para frear o volume concedido, ou mesmo rentabilizar melhor seu produtos frente a um novo patamar de risco.
O crédito será a chave para salvar e recuperar negócios e consumidores, como conceder da melhor forma?, quais os fatores que indicarão oportunidades ou elevação de risco e perdas de crédito? Uma nova forma de pensar o modelo de crédito será necessária, na verdade já estava atrasada, a crise apenas cria o cenário para acelerar algo que o mercado de crédito deveria ter modernizado.
Um novo olhar para inadimplência.
O times de crédito devem ponderar: um cliente inadimplente a um determinado crédito ou pagamento, é inadimplente a todos? Com certeza não!
Muitas vezes o cliente está em um cenário de escolhas, onde deve escolher quais contas ou não pagar, por isso os compromissos que forem de maior necessidade haverá ADIMPLÊNCIA.
Há um livro chamado “Como empreender certo em um país incerto” onde narra passagens de vários empreendedores brasileiros, em uma das passagens narra um empreendedor dizendo:
“Certos dias eu chegava em casa e tinha de escolher se pagava minha conta de luz ou da empresa, hoje somos o Boticário”
Veja que muitas vezes o cliente PJ ou PF precisa fazer escolhas, e na escolha de não pagar determinadas contas ou serviços é penalizado por todo o mercado, o processo de crédito clássico não leva isso em consideração, separar o tipo de crédito qual o cliente será adimplente é uma grande oportunidade, e momento mais propício do que a "Corona-crise", desconheço.
Outro fator ignorado pelos analistas de crédito é poder avaliar a capacidade de renda do tomador, por vezes testamos dezenas de modelos de renda presumida e todos fracassaram, atualmente há empresas que possuem tecnologia para que possa analisar a conta corrente do cliente, promovendo análises de avaliação de renda precisas e ricas, muito melhor do que o velho e batido histórico de pagamentos.
Se funciona? Precisa testar, testar e testar, abraçar a oportunidade de fazer uma revolução na avaliação do risco de crédito nesse novo cenário determinará quais estratégias e profissionais serão bem sucedidos nos próximos 24 meses, portanto o momento de criar novas políticas e testes é agora.
A idade máxima e mínima podem ser revistas.
Uma das situações que barram processos de crédito e seguros é a questão da idade, os ABCs do crédito citam um capitulo exclusivo para concessão de crédito em uma faixa de idade de 18 à 80 anos.
O piso da idade ocorre devido a responsabilidade civil, o teto é o risco de morte do tomador, mas aqui deixo um ponto para pensar em heterodoxia, os jovens masculinos no ano em que completam maioridade (18 anos) devem obrigatoriamente se alistar nas forças armadas, em caso de conflito podem entregar suas vidas pelo soberania da nação, mas não podem tomar crédito? Quantas oportunidade podem ser geradas por essa flexibilização?
Quando fiz 16 anos (já trabalhava desde os 14 anos) surgiu uma oportunidade profissional onde só seria aproveitada por um CNPJ, pesquisei como obter um e fui barrado na lei de maioridade, porém havia uma excessão, ser legalmente emancipado, onde a partir dessa idade eu seria plenamente responsável pelos meus atos civis e criminais, trata-se de um documento público firmado pelos pais e responsáveis, com esse documento eu poderia constituir um CNPJ, uma burocracia que acompanha sua certidão de nascimento, que custava uma fábula na época para fazer e até hoje quando tenho de tirar uma nova cópia da certidão eu pago mais caro pelo adicional da emancipação que fiz aos 16 anos.
Jovens emancipados podem ser responsabilizados, civil e criminalmente, podem constituir CNPJ e gerar empregos, mas não podem ter crédito?
Para idade máxima, vamos lembrar que nos anos 40 a expectativa média de vida no Brasil era de 45 anos, hoje segundo o IBGE é pouco mais de 75 anos, imagine se as políticas de crédito não tivessem se modernizado e estabelecessem o teto de 45 até hoje, perderíamos clientes com décadas produtivas por causa de uma regra de risco.
Agora pergunto: o cliente que mora no Leblon-RJ tem a expectativa média de vida igual ao cliente de Paralheiros-SP?
Quando colocamos uma lupa na expectativa média de vida por localidade há uma grande variação entre regiões e classe social, muitos clientes ultrapassam os 90 anos de idade (plenamente produtivos) será que não estamos perdendo uma década ou mais de clientes plenamente capazes de tomar crédito?
Ser pioneiro tem o pagamento doloroso do pioneirismo, mas nada disso se compara a certeza de propor ao mercado algo realmente inovador e rentável, se a crise não dá trégua, nós do crédito não poderemos ter preguiça!
Bora arregaçar as mangas e trabalhar, afinal o crédito será a solução de resgate e a volta por cima da “Corona-Crise”.
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