Demorei para escrever sobre esse tipo de crédito, pois em minha experiência é o produto mais sofisticado que há no mercado, digo isso devido a sua tecnicidade comparado a outros produtos de crédito. Por enquanto no Brasil o custo de originação e recuperação são altos, e há muitos detalhes, por isso separei esse texto em 3 artigos.
Nesse primeiro alinharei conceitos para que entenda o complexo processo de concessão, isso porquê diferente dos produtos de crédito sem garantia onde se avalia apenas o risco do tomador, nos produtos com garantia é necessário também avaliar o risco e liquidez da garantia, pois nela está baseada a principal razão para se conceder crédito com taxas menores. Por isso alinho alguns termos abaixo:
Definição
Home Equity, Re-financimento imobiliário ou Crédito com garantia imobiliária é o que verá como nomenclatura para essa modalidade de crédito, que consiste em: Pessoas que possuem um imóvel podem tomar crédito usando esse bem como garantia de que a dívida contraída será honrada.
Não sei qual será o nome mais adequado para o mercado, EU prefiro usar CGI (Crédito com Garantia Imobiliária), para melhor tradução de Home Equity.
Garantia ou Colateral
Como estou abordando CGI, o imóvel é tratado como a garantia (pois há outras garantias que podem ser usadas para contração de crédito, automóvel ou máquinas são exemplos), caso o tomador do empréstimo não honre seu compromisso de pagamento por quaisquer motivos, o imóvel é usado como venda para que possa garantir o retorno do valor ao originador do crédito, algo que se dá pela possibilidade de tomar o bem e vende-lo, essa operação visa cobrir as dívidas assumidas pelo tomador. A garantia é a segurança que o originador possui, apontando maior probabilidade de não ficar com o prejuízo em caso de inadimplência.
A garantia mais comum são imóveis construídos e legalizados, a documentação de acordo com as leis vigentes é uma exigência para que a operação de crédito ocorra, nesse processo há imóveis averbados (com todas as atualizações devidamente registradas na matrícula), por exemplo: se o imóvel foi comprado por uma jovem solteira e após a compra ela tenha constituído uma união com outra pessoa essa informação deve constar no registro do imóvel.
Um outro exemplo: quando o imóvel foi registrado ele possuía uma metragem, e alguns anos depois foram realizadas ampliações ou modificações no mesmo alterando seu tamanho ou estrutura originais, se isso foi atualizado é considerado AVERBADO, caso essas atualizações não estejam registradas na matrícula o imóvel é um NÃO AVERBADO.
Isso faz diferença na análise e altera condições de negociação entre o tomador do credito e a instituição.
Dependendo da política de cada instituição, pode-se aceitar como garantia imobiliária os seguintes tipos:
- Imóvel residencial (Casa ou Apartamento).
- Imóvel comercial (Horizontal ou Vertical), há detalhamento como escritórios, fábricas e galpões.
- Imóveis mistos (onde na área construída de residência também abrigue um ponto comercial).
- Terrenos.
- Imóveis e propriedades rurais.
Cada tipo de garantia influencia no que conhecemos como liquidez, (velocidade e disponibilidade de repassar esse garantia à frente) em caso de necessidade de venda para honrar o compromisso assumido, cada garantia e suas atualizações influenciam diretamente nas condições de negociação, prazo, taxa, valores, LTV etc...
Por isso tanto tomador quando profissionais do crédito precisam estabelecer e acordar as regras para cada tipo de garantia, como LTV, Prazo, taxa. Há também a definição de um valor máximo e mínimo de empréstimo como uma trava de LTV.
Nota: aqui LTV é tratada como Loan to Value, é o percentual do valor tomado sobre o valor da garantia, estabelecido para o empréstimo, ex: um imóvel que tenha o valor de R$ 400mil e a necessidade de empréstimo é de R$ 100mil o LTV dessa operação é de 25%.
Ao definir um piso e um teto de valor independente do seu LTV o avaliador pode determinar em qual piso de valor deseja trabalhar, há empresas que não realizam empréstimo inferiores a R$ 30mil por exemplo, pois menos que isso o valor de retorno pode não cobrir os custos operacionais, para o teto pode optar por não trabalhar com risco concentrado, por exemplo um imóvel que vale R$50MM caso desejasse R$10MM de empréstimo o LTV seria 1/5, nesse caso a política pode fazer um trava em empréstimos limitados a R$ 1,5MM para evitar a concentração de risco sob um único contrato.
Cada garantia pode ter um LTV mínimo e máximo para que a operação se concretize, em um outro artigo poderei aprofundar apenas nos indicadores de mercado mais comuns para esse tipo de crédito, bem como particularidades de cada garantia.
Originador do crédito.
Pode ser um Banco, Fintech, Sociedades constituídas de acordo com a regulamentação do banco central, Cooperativas de Crédito e Financeiras.
O originador pode conceder crédito com capital próprio ou de terceiros (Investidores ou Fundos de Investimentos), cabe ao originador propor e ou seguir políticas de subscrição e risco, bem como pode ser o administrador da carteira, isso varia para cada instituição, dependendo de seu tipo de operação pode ficar ou não com os riscos futuros dessa carteira de crédito.
Produto
Pode ser comercializado nas seguintes roupagens:
Hipoteca: O imóvel é usado como garantia de pagamento obedecendo uma legislação específica, com particularidades distintas, entre elas a possibilidade de uso com múltiplos credores, o processo de recuperação em caso de inadimplência exige uma ação judicial.
Obs: O processo de hipoteca no Brasil carece de melhorias e modernizações para tornar a garantia sólida e clara à luz do poder judiciário, sua atual constituição dá margens para variadas interpretações que causam maior cautela por parte das instituições, algo que não permite ampliar esse oferta de crédito.
Alienação Fiduciária: A lei 9.514 de 1997 veio para trazer uma alternativa no uso dessa garantia para concessão de crédito, em um resumo simplificado suas principais diferenças estão em garantir um único credor e acionamento extra judicial, o poder judiciário possui maior alinhamento relativo a inadimplência, algo que possibilitou o desenvolvimento desse instrumento de crédito.
Não quer dizer que seja perfeito, há muito espaço de modernização que depende de muita vontade política e instrumentalização jurídica, é um avanço quando comparado ao produto hipoteca.
Hipoteca Reversa: É difícil discorrer dessa roupagem de produto, pois ainda há muita definição pelo caminho, basicamente amplia a possibilidade de conceder crédito para pessoas de idade mais avançada (acima de 80 anos) com garantias adicionais em caso de falecimento do tomador antes de honrar seu compromisso.
No processo de concessão do crédito há uma trava, seguradoras optam por não segurar o tomador com idade avançada, dificilmente se concede crédito para indivíduos com idade maior que 80 anos (o mesmo ocorre para crédito sem garantia) as seguradoras consideram alta a probabilidade de falecimento do tomador, praticamente todas as políticas de crédito tem um capitulo exclusivo para idades mínimas e máximas aceitáveis.
Expondo dessa forma parece injusto, algo que pode ser modernizado, no caso da Hipoteca reversa o que mais se ouve dizer é a possibilidade de conceder crédito nessas condições onde o tomador tenha uma idade avançada como forma de conceder uma renda vitalícia, em caso de falecimento a instituição possui direito sobre o bem para honrar a dívida pendente, na venda do imóvel se sobrar valor residual o mesmo é direcionado aos herdeiros, isso precisa se alinhar com outros processos como herança de família etc… o melhor desenvolvimento dessas regras permitirá o avanço desse produto.
Sale-Leaseback: Esse é outro roupagem em discussão focada nas tomadores de altíssimo risco, como última cartada para que o mesmo possa se organizar financeiramente, clientes com dívidas vencidas ou com alta probabilidade de inadimplência, são obstruídos de acesso ao crédito, por esse motivo ficam desassistidos.
O formato mais convencionado é conceder crédito ao tomador, o mesmo tem o direito de uso e locação do bem pagando mensalmente um aluguel para a instituição, o originador é o dono do imóvel e o loca para o tomador, nessa modalidade é uma locação onde o tomador paga para morar no bem e continua devendo o montante a instituição.
No momento em que o tomador possuir condições de honrar o compromisso ele tem a preferência na compra de volta do seu bem. Fazendo um benchmark com o mercado estrangeiro, o tomador recorre a outra instituição para obter crédito quando deseja quitar a operação.
Esse produto é focado no que conhecemos como risco estressado, são operações de alto risco com maior probabilidade de inadimplência por parte do tomador, por isso as regras são específicas e com carga de juros elevada para cobrir tais riscos.
Outras modalidades: Em 2020 o governo tem esboçado usar o imóvel como alavancador de múltiplos créditos, até a produção desse artigo nada concreto foi apresentado ao mercado, por enquanto os únicos processos amplamente utilizados como produtos de prateleira no CGI são: Hipoteca e Alienação fiduciária.
O processo de originação segue um fluxo que compreende:
Simulações das condições onde o cliente, define o montante necessário de crédito, descreve se possui imóvel (sim apesar de ser um crédito com garantia de IMÓVEL muita gente faz solicitação ou pergunta se precisa ter um imóvel, pra facilitar a resposta é um sonoro SIM, precisa ter um imóvel), na fase de simulação o proponente define qual prazo, escolhe a tabela de amortização e consegue ter uma perspectiva de quanto será a parcela mensal.
Se a avaliação da parcela ficar acima do que o tomador pode se comprometer, o mesmo re-simula as condições até obter a melhor relação entre as condições e sua realidade, no Brasil sabemos que a grande maioria pauta sua decisão pela parcela que cabe em seu orçamento e não nas melhores condições.
Envio de informações e documentos, o tomador que gostar das condições prévias apresentadas, necessita enviar mais dados para continuidade de avaliação por parte da instituição para que a mesma possa aprovar seu crédito, entre essas informações e documentos estão:
CPF => Para que seja avaliado riscos financeiros e não financeiros do tomador junto ao mercado.
Autorização de Consulta => Em algumas ocasiões são solicitadas autorização expressa do tomador para que a instituição possa realizar pesquisas de risco do CPF com instituições públicas e privadas.
Documento de Identificação => RG, CNH, Carteiras de Classe, Passaporte (documentos de identificação são obrigatórios para cumprir normativas.
Comprovante de residência => Como forma de contato.
Comprovante de endereço da Garantia => Em casos da garantia ser diferente da utilizada como residência do tomador, além de confirmar dados informados pelo tomador.
Matricula da Garantia => Nesse documento se pode avaliar as condições descritas da garantia, bem como se há enquadramento com a política da instituição.
Comprovante de Renda => O que permite ao avaliador entender riscos de capacidade de pagamento das parcelas.
Obs: Para tomadores que tenha união legal (matrimonial ou união estável) os documentos do cônjuge também serão avaliados.
Obs2: Tomadores ou responsáveis pela garantia que forem sócios de empresas podem ter uma avaliação mais extensa pela frente, depende do apetite ao risco de cada instituição.
Curiosidades
Algumas instituições permitem que a garantia seja de terceiros (parentes e amigos), desde que estes estejam cientes, pois seu bem entrará como garantia da operação, os mesmos também assinarão o contrato.
Há políticas que não exigem que o imóvel esteja quitado, se o valor já pago pelo imóvel for maior que o LTV mínimo exigido, a negociação poderá seguir com algumas condições adicionais.
Avaliação da Garantia
Há processos que demandam a avaliação no imóvel realizada por um profissional engenheiro que pode atestar se o valor declarado do mesmo é compatível com a realidade, esse processo tem um custo extra por utilizar a mão de obra especializada.
Em alguns casos é uma exigência da seguradora, o governo tem se pronunciado que as instituições podem usar alternativas mais modernas como modelos estatísticos para realizar essa avaliação, com objetivo de reduzir o custo da operação.
Alguma instituições assumem esse custo, posteriormente financiando no montante total ao tomador, ou o próprio arca com esse custo adicional. Aqui vale se atentar para algumas possibilidades.
- O Credito não ser aprovado e o tomador ficar com esse custo.
- A garantia pode ser avaliada com valor inferior ao informado, e todo processo pode ser revisto.
Por isso vale o tomador se informar das regras e seu funcionamento.
Avaliação Jurídica
Esse é uma parte do processo que visa avaliar possíveis riscos de ordem jurídica na operação, como dívidas registradas em ações judiciais ou dívidas do tomador com o estado, pois dependendo da ordem de valor e montante envolvido, há o risco do contrato ser anulado ou as ações judiciais contra o tomador se concretizadas afetarem a disponibilidade de recursos do mesmo para honrar a dívida.
Essa etapa do processo em muitos casos e manual ou semi manual, devido ao formato das organizações jurídicas, por serem descentralizadas requer uma pesquisa em cada fonte para averiguar se a operação possui outros riscos.
Formalização e Liberação do Crédito
Se o tomador passar nas 3 esferas de avaliação (Crédito, Garantia e Jurídica) a próxima etapa é a de formalização do contrato onde se constam todas as informações, valores, taxas, condições de saída, cobrança e re-pactuação que será firmada e registrada em cartório com todos os custos cartoriais de cada região.
Obs3: Um dos maiores ofensores de custo no processo de originação são os de ordem cartorial que devem ser pagos pelo tomador, algo que reduz parte de seu crédito tomado. No Brasil não há um consenso nem lógica de processos e custos, onde cada região pode adotar regras e práticas arbitrárias, o que torna alguma regiões mais complexas de realizar a formalização.
Essa não padronização de processos e custos levam a demora e muitas vezes desestimulam o progresso dessa modalidade de crédito, motivo pelo qual algumas instituições optam por não atender todo território nacional e se limitam a alguma praças de atendimento.
Por isso modernização no formato realizado pelos cartórios é muito bem vindo para melhoria da oferta dessa modalidade de crédito.
Por haver envolvimento de situações que fogem ao controle das instituições financeiras, é difícil precisar um prazo exato para a disponibilização do crédito, pois a análise combinatória de fatores é complexa, algo que pode levar meses até sua conclusão.
As instituições tem por obrigação agir com a máxima transparência com seus tomadores, e os tomadores devem sanar todas as dúvidas para que sua experiência seja aproveitada.
O crédito com garantia imobiliária sob minha ótica é o produto mais competitivo para o cliente final, é importante que como qualquer produto de crédito seja usado da forma correta, para que o cliente possa resolver sua situação ou objetivo e não criar um obstáculo adicional.
No próximo artigo falarei dos custos aproximados que envolvem cada etapa para mostrar os motivos do alto custo de originação e recuperação.
Fontes:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5741.htm
https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/01/30/governo-planeja-facilitar-uso-de-garantias.ghtml