Quando adolescente li muitos livros relacionados a máfia como: Dossiê Pelicano, A firma, O Juri mas nenhum superou o livro "O Poderoso Chefão", esqueça o filme, mergulhe no livro!
Em um dado momento as famílias rivais sub-julgam dom Corleone, acuado ele abaixa a cabeça a todas as famílias e se submete à todos os absurdos impostos, uma estratégia para se recuperar e depois pegar um por um, pois até o Dom sabia que enfrentar todos de uma vez seria uma estupidez.

Em um post https://analistaconfesso.blogspot.com/2019/08/3-itens-antes-de-emprestar-dinheiro.html escrevi sobre as lista de regras que sigo pra emprestar dinheiro para amigos, caso não tenha lido vale a pena para entender a continuidade do que ocorreu quando chegou a data do meu amigo me devolver o valor emprestado.
Aqui faço uma pausa, fui criado na periferia paulistana, local muito humilde e até hoje acompanho os indicadores do meu ex-bairro, infelizmente até os dias de hoje possui grande fragilidade sócio econômica, meu amigo veio de um lugar semelhante, nos conhecemos na faculdade e naquele tempo nossa vida era bem limitada financeiramente, com o passar do tempo tive oportunidade de ter uma profissão no crédito e meu amigo foi para área de TI onde ganhava relativamente bem, mas se descontrolou (é comum pessoas que ganham bem se descontrolarem e quando percebem estão encrencados com crédito).
Na data que meu amigo deveria honrar seu compromisso ele me liga e diz: “Cara, estou enrolado e não poderei lhe pagar como combinado! e pior, você pode me emprestar mais um dinheiro?”.
Como crédito eu sei que esse é o comportamento que leva ao duro caminho da cobrança, tinha 3 opções:
a) emprestava mais dinheiro ao meu amigo,
b) negaria mais empréstimo,
c) usaria meu conhecimento de crédito para ajudá-lo,
Optei pela terceira opção.
Ele me resumiu algo que acontece quando algumas pessoas tem uma alta renda: O fato de ganharem bem, você recebe muitas linhas e ofertas de crédito, embarca nas ofertas e consome mais do que ganha, para tapar o buraco contrai mais crédito, quando chega ao limite com uma instituição recorre a outra …bem o resto vocês imaginam (lembra muito o que a Argentina tem feito nos últimos anos).
Até você quebrar pode levar 2…3 anos, leva tempo para descobrir que está completamente enrolado com 2 a 3 instituições, então vem as dores de cabeça, pois tenta renegociar com todas, fica com uma margem perto do zero para sanar urgências e emergências, garanto elas aparecem nos piores momento financeiros, em casos de demissão o problemas seria muito pior.
Perguntei se eu poderia ajuda-lo e ele me disse: POR FAVOR!
Meu amigo estava enrolado com 5 instituições e devia equivalente a 8x sua renda, havia acordos com todos os credores. Foi então que fiz seguinte estratégia de tirar meu amigo da lama, algo que levaria 18 meses pra funcionar. Usei o estragema inspirado no Don Corleone, se recuperar e depois pegar um por um.
- Abri uma conta poupança onde apenas eu teria acesso e todos os meses ele depositaria 50% do salário e sobreviveria com os outros 50%.
- Obriguei-o a jogar fora todos os cartões de crédito, sobreviveria apenas com dinheiro, ou usaria cartão de débito (que aliás estava no cheque especial).
- Quebramos o acordo com todos os credores e partimos para o calote geral (seu nome foi para os bureaus de proteção ao crédito em menos 1 mês), aqui é importante ter uma armadura psicológica pro que viria.
Se você trabalha em alguma área cobrança deve estar querendo me matar por escrever isso, e o que virá em seguida.
Para tirar meu amigo dessa enrascada ele deveria fazer exatamente o que combinamos ou eu o deixaria para os tubarões, fazer dessa forma é necessário muita confiança.
Primeiro passo
Ao abrir a conta poupança garantiria que teríamos valor para melhores acordos no futuro (não pelo rendimento, mas por colocar em um local seguro), quando uma pessoa está altamente endividada e presa a acordos, praticamente não sobra dinheiro, tudo está comprometido com os altos juros, quando surge alguma urgência ou emergência, não tem dinheiro para sanar. Não tem milagre, se desviar dinheiro para sanar a emergência haverá a quebra de acordo com a cobrança gerando mais dor de cabeça. Por isso criar uma área de reserva de dinheiro era necessária.
Foi uma forma de frear o “gastar mais do que arrecada”, esse processo foi na base do choque.
Segundo passo
Jogar fora os cartões evitaria o problema de quitar parte do saldo, liberando limite do cartão para mais consumo, quando a situação é crítica o consumo deve ser freado imediatamente, quando não se pode controlar tenha a coragem de jogar tudo no lixo, assim não terá como gastar
Terceiro passo
E por último e o mais difícil era simplesmente parar de pagar as dívidas, afinal colocando 50% na minha mão e sobrevivendo com os outros 50% não tinha dinheiro para pagar nenhum dos acordos atrasados, e nesse ponto eu preparei meu amigo para o que viria.
Fase 1 => Cobrança amigável, quando você atrasa sua dívida o processo de cobrança de curto prazo entra em ação, recebe sms, cartas, e-mails e ligações, para questionar se você esqueceu, se irá pagar e quando?.
Aqui meu amigo deveria dizer a seguinte frase: “Não posso pagar, estou com problemas financeiros! Não poderei pagar a dívida e também não tenho uma data de quando poderei fazer-lo.” Instrui meu amigo a manter essa postura e por mais que o time de cobrança pressionasse ou propusesse algum acordo a ordem era negar.
Todo processo de cobrança é um relógio, contabilmente segue-se um ciclo de faixas de atraso até 360 dias, após esse período o valor a receber é considerado, pelas regras contábeis, prejuízo. A missão das áreas de cobrança é evitar esse prejuízo por inadimplência, precisam frear o cliente para que não entre nas faixas maiores o que dificulta a recuperação da dívida.
Fase 2 => Cobrança contenciosa, quando o time de cobrança percebe que será jogo duro então a estratégia é usar palavras duras e firmes com o cliente, tenho amigos na cobrança que já fizerem clientes chorar, é sério!.
Os discursos são secos, como: Sr o seu nome irá para o SERASA/SPC, será protestado, vamos abrir uma ação na justiça, sua família será amaldiçoada, eu preciso que o sr me dê uma data para o pagamento. Depende pra quem você está devendo rola até ameaças contra sua integridade enfim, não é uma cobrança “amigável”, nesse ponto orientei meu amigo a engolir o choro e manter firme a resposta que não iria pagar e ponto final.
Aqui lembre-se que a área de cobrança tem metas pesadas e quem trabalha nessa área tem muita pressão para recuperar o valor devido.
Fase 3 => só faríamos novos acordos após 180 dias de atraso (certeza que meus amigos da cobrança, vão me xingar), acontece o seguinte, atrasos superiores a 180 dias derrubam a probabilidade de recuperação, ninguém na cobrança quer isso, se o atraso ultrapassar essa faixa o valor de PDD será de 100% (em outro post abordarei PDD ok?).
Na grande maioria das empresas, quando o valor ultrapassa 180 dias de atraso muita coisa aconteceu.
=> houve custo com SMS, ligações e mais ligações, cartas, negativação do CPF tudo isso gera um baita custo.
=> se for cartão de crédito está bloqueado e provavelmente naquela instituição dificilmente terá outro, mas e dai? Você já jogou fora mesmo.
=> você terá sido bombardeado com dezenas de ligações e a cobrança ja te ameaçou de todas a formas.
Com isso, tudo o que resta ao credor é fazer um acordo concedendo um belo desconto se pagar à vista, foi justamente o que fizemos. Lembra da reserva de poupança? Pois então, após 180 dias ligávamos e fazíamos um proposta de algo entre 30 e 50% da dívida para pagamento à vista, quem não aceitava desligávamos e íamos para o próximo e assim resolvemos tudo em 20 meses.
Meu amigo aprendeu a lição, melhorou seu fluxo de caixa, pagou todas as suas dívidas, talvez esteja proibido até hoje de ser cliente em algumas instituições, ajudei meu amigo e principalmente pude recuperar meu dinheiro sem perder a amizade.
Obs: Não é pra sair dando calote geral, não estou motivando ninguém a fazer isso. Usei o que podia para resolver a situação, cada caso é um caso, estou compartilhando como EU ajudei a resolver um caso complexo. Utilizando a inspiração do Don.